Tuesday, February 28, 2006
Thursday, February 23, 2006
Coevos
Se Cervantes cá voltasse o que seria de D. Quixote de La Mancha e do seu escudeiro Sancho Pança? Estou certo de que essa combinação (Cervantes hoje) resultaria em mais uma banal novela para a TV! A vida frenética e de base tecnológica dos nossos dias está a matar todos os assuntos e a inibir o surgimento de grandes escritores bem como de obras marcantes. Se Cervantes cá pusesse os pés, o seu fidalgo D. Quixote, iria, com certeza, ter que se haver com torres eólicas em lugar dos pachorrentos e carinhosos moinhos de vento. E é aqui que a coisa perde a piada: Uma torre eólica não tem a mesma rusticidade de um moinho de vento. É mais esplendorosa mas gera menos paixões (a mesma diferença existe entre uma Cláudia Shiffer e uma Catherine Zeta Jones: A primeira é vistosa, a segunda é gostosa, algo bem mais efectivo) e, para além do mais, lutar contra um moinho de vento pequeno e rechonchudinho é muito mais razoável e racional do que lutar contra uma monstruosa, oxidada e fria torre eólica. Quem nunca confundiu um moinho de vento com um soldado e um conjunto de moinhos de vento com um campo de batalha que lhe atire a primeira pedra! É normal e aceitável esta confusão quando se trata de moinhos de vento, agora, quando entram torres eólicas ao barulho fica mais difícil de engolir! Às torres falta-lhes algo, falta-lhes o motivo para a paixão. Não emanam um amor ardente.
As pessoas de hoje criam constantemente realidades paralelas bem menos plausíveis do que a que Cervantes imaginou para Quixote (exemplo: a economia portuguesa está a crescer; estamos no bom caminho; etc) mas não rendem porque a tecnologia desfaz o romance, elimina o suor, inibe o amor desgarrado e louco, enfim, cria paixonetas. Uma paixoneta nunca deu uma grande história. Uma paixoneta não tira o fôlego nem revolve o mundo.
Uma análise similar pode ser feita em relação à grande obra do nosso imenso Camões. Arrisco, sem grande margem para dúvidas, que usaria das “armas” químicas e dos mísseis “assinalados na ocidental praia (de bandeira azul) Lusitana”. Isto é grave! Não tem nada a ver! Uma arma química mata seres vivos em massa. Alguém valoriza a morte de multidões? Uma arma convencional ou uma bola de canhão do século XV mata muito menos mas fere muito mais e o romance está, precisamente, onde está o sangue e o sofrimento. Está onde há humanos a espernear. Morrer sob a batuta de uma arma química é uma banalidade rápida e silenciosa demais. Morrer com o peito vazado por uma bola de chumbo fumegante, lançada estrondosamente de um canhão a 300 metros de distância, é uma atrocidade observável, prazeirosamente. A atrocidade anda de mãos dadas com os feitos homéricos e estes, por sua vez, ligam-se estritamente aos meios artesanais. Não há heróis sem sangue como não há sangue sem paixão e, no final de tudo, nada disto existe na efeméride tecnológica do nosso tempo.
As pessoas de hoje criam constantemente realidades paralelas bem menos plausíveis do que a que Cervantes imaginou para Quixote (exemplo: a economia portuguesa está a crescer; estamos no bom caminho; etc) mas não rendem porque a tecnologia desfaz o romance, elimina o suor, inibe o amor desgarrado e louco, enfim, cria paixonetas. Uma paixoneta nunca deu uma grande história. Uma paixoneta não tira o fôlego nem revolve o mundo.
Uma análise similar pode ser feita em relação à grande obra do nosso imenso Camões. Arrisco, sem grande margem para dúvidas, que usaria das “armas” químicas e dos mísseis “assinalados na ocidental praia (de bandeira azul) Lusitana”. Isto é grave! Não tem nada a ver! Uma arma química mata seres vivos em massa. Alguém valoriza a morte de multidões? Uma arma convencional ou uma bola de canhão do século XV mata muito menos mas fere muito mais e o romance está, precisamente, onde está o sangue e o sofrimento. Está onde há humanos a espernear. Morrer sob a batuta de uma arma química é uma banalidade rápida e silenciosa demais. Morrer com o peito vazado por uma bola de chumbo fumegante, lançada estrondosamente de um canhão a 300 metros de distância, é uma atrocidade observável, prazeirosamente. A atrocidade anda de mãos dadas com os feitos homéricos e estes, por sua vez, ligam-se estritamente aos meios artesanais. Não há heróis sem sangue como não há sangue sem paixão e, no final de tudo, nada disto existe na efeméride tecnológica do nosso tempo.
É por isso, e só por isso, que ninguém neste espaço dará um dia um grande escritor. Porque ninguém grita com ímpeto: Que morra a tecnologia! Que morra a vida frenética! Que morram... Mas que morram de morte lenta.
Tuesday, February 14, 2006
Wednesday, February 08, 2006
Australopitecos versus Australopolitecos
“Estamos a desenvolver os esforços adequados” é uma das frases mais bonitas que se pode ouvir da boca de um político. Bonita e completa. Não deixa nenhuma palavra ao calhas. Não tem qualquer “mas”. Não dá aso a dúvidas. Enfim, é perfeita!
O “Estamos”: O “estamos” envolve todos não comprometendo ninguém. Está na frase para que no final não seja possível imputar responsabilidades ao político que a profere. Para além disso, o “estamos” deixa-nos confortados e descansados. Alguém está e é mais do que uma entidade sozinha. “Estamos” é o Estado, é a sociedade, é quem de direito, e não há nada mais reconfortante do que ver “quem de direito” a desenvolver esforços para resolver um problema. O presente do indicativo do “estar” relaxa-nos. Ainda nada está perdido porque existe alguém no plural que ainda está a... “Estamos” tem implícito uma certa omnipresença: “Estamos por toda a parte a desenvolver esforços”.
A palavra “Desenvolver” traz subjacente uma ideia de crescimento, de alargamento. “Estamos a desenvolver” envolve muito mais do que o “estamos a fazer”. Há dinâmica no desenvolver. Fazer é para máquinas ou para pessoas mecanicistas, para quem não consegue criar algo de novo. Desenvolver é para homens, para ultra inteligências. Desenvolver revela a omnisciência do político.
“Os esforços” não aparece na frase por mera razão de concordância sintáctica. Os esforços é mais do que o singular de um simples esforço. É uma enormidade. Dá aos que estão um estado de omnipotência.
“Adequados” fecha em nirvana tão erudita sentença. “Adequados” torna o político deus num homem ajustado a deus. Existe na frase para aproximar o interlocutor do homem-deus que calmamente diz: “Estamos a desenvolver os esforços adequados”. Aproxima mantendo ainda assim a distância mínima necessária a qualquer pequeno deus. “Adequados” é, nem mais nem menos, que a optimização, é a ausência de desperdício. Optimização e ausência de desperdício são buscas humanas. Deus já É óptimo. Os homens procuram o óptimo. É a palavra que coloca o político num patamar muito para além do humanóide: É um homem muito perto de um deus mas sem deixar de ser homem.
A palavra “adequados”, por buscar a optimização, encerra a frase com a transformação da omnipresença num “estar de forma humana por todo o lado”, da omnisciência numa faculdade intelectual humana mas acima dos humanos normais, da omnipotência num vigor, num ânimo, numa valentia que são puras características do super-homem. Assim, a frase, no seu conjunto, é de uma beleza tal que coloca os australopolitecos nos homens mais perto dos deuses. Quem não gostaria de ser um Australopoliteco?
Em toda a minha vida de modestas criações jamais seria capaz, numa frase apenas, de tal construção mas, juro, “estou a desenvolver os esforços adequados!”.
O “Estamos”: O “estamos” envolve todos não comprometendo ninguém. Está na frase para que no final não seja possível imputar responsabilidades ao político que a profere. Para além disso, o “estamos” deixa-nos confortados e descansados. Alguém está e é mais do que uma entidade sozinha. “Estamos” é o Estado, é a sociedade, é quem de direito, e não há nada mais reconfortante do que ver “quem de direito” a desenvolver esforços para resolver um problema. O presente do indicativo do “estar” relaxa-nos. Ainda nada está perdido porque existe alguém no plural que ainda está a... “Estamos” tem implícito uma certa omnipresença: “Estamos por toda a parte a desenvolver esforços”.
A palavra “Desenvolver” traz subjacente uma ideia de crescimento, de alargamento. “Estamos a desenvolver” envolve muito mais do que o “estamos a fazer”. Há dinâmica no desenvolver. Fazer é para máquinas ou para pessoas mecanicistas, para quem não consegue criar algo de novo. Desenvolver é para homens, para ultra inteligências. Desenvolver revela a omnisciência do político.
“Os esforços” não aparece na frase por mera razão de concordância sintáctica. Os esforços é mais do que o singular de um simples esforço. É uma enormidade. Dá aos que estão um estado de omnipotência.
“Adequados” fecha em nirvana tão erudita sentença. “Adequados” torna o político deus num homem ajustado a deus. Existe na frase para aproximar o interlocutor do homem-deus que calmamente diz: “Estamos a desenvolver os esforços adequados”. Aproxima mantendo ainda assim a distância mínima necessária a qualquer pequeno deus. “Adequados” é, nem mais nem menos, que a optimização, é a ausência de desperdício. Optimização e ausência de desperdício são buscas humanas. Deus já É óptimo. Os homens procuram o óptimo. É a palavra que coloca o político num patamar muito para além do humanóide: É um homem muito perto de um deus mas sem deixar de ser homem.
A palavra “adequados”, por buscar a optimização, encerra a frase com a transformação da omnipresença num “estar de forma humana por todo o lado”, da omnisciência numa faculdade intelectual humana mas acima dos humanos normais, da omnipotência num vigor, num ânimo, numa valentia que são puras características do super-homem. Assim, a frase, no seu conjunto, é de uma beleza tal que coloca os australopolitecos nos homens mais perto dos deuses. Quem não gostaria de ser um Australopoliteco?